Ao completar três meses de quarentena decretada para conter o novo coronavírus, São Paulo vive mais uma movimentação na questão do morar. Se antes as pessoas priorizavam a localização na hora de alugar ou comprar um imóvel, o que mais importa agora é espaço.
De acordo com um levantamento da imobiliária digital QuintoAndar feito com exclusividade para o Estadão, enquanto a busca por apartamentos e kitinetes ou estúdios caiu 6% e 10%, respectivamente, nos últimos três meses a demanda subiu 8% por casas na rua e 20% por casas de condomínio.
Ter maior número de cômodos também pesa na decisão. A procura por imóveis com apenas um quarto sofreu queda de 10%, enquanto aqueles com 2, 3 ou 4 quartos tiveram alta de aproximadamente 30%.
Para Arthur Malcon, gerente executivo de estratégia do QuintoAndar, a pandemia fez as pessoas repensarem o lugar onde moram. “Quem está em home office pode ter sentido a necessidade de mais espaço para montar um escritório confortável, e quem passava muito tempo fora de casa talvez tenha sentido falta de mais espaço para uma área externa, um jardim.”
A adoção do trabalho remoto, que muitas empresas consideram tornar definitiva no futuro, também diminui a importância de viver em regiões centrais. “Morar mais longe, em bairros com imóveis maiores e mais acessíveis, pode não ser mais um problema tão grande”, diz o executivo, que relata aumento expressivo da procura em bairros como Tatuapé (15%), Santana (11%) e Ipiranga (9%).
O valor do aluguel, bastante flexibilizado pelos proprietários neste período, é outro fator que joga a favor para fechar negócio em imóveis maiores. Ainda segundo o levantamento, os contratos fechados em abril e maio estão em média 6,5% mais baratos do que nos meses anteriores – e isso acontece em 80% dos bairros pesquisados.
As maiores quedas porcentuais de valor foram em Santo Amaro (–29%), Itaim Bibi (–23%) e Ipiranga (–22%), mas houve variação em todos os perfis de bairro, incluindo Moema, com reajustes de até –17%, e Pinheiros, com –12%.
Espaço e tranquilidade para trabalhar foram os fatores que levaram a analista de marketing Tainá Barbosa, de 27 anos, a alugar uma casa após o início da quarentena. Ela vivia em uma república, dividindo o andar de um imóvel com outras quatro pessoas. Quando o isolamento social foi decretado e sua empresa anunciou o trabalho remoto, a situação ficou inviável.
“Era muita gente ocupando o mesmo espaço ao mesmo tempo. Queria ter meu canto junto com meu namorado, que morava com a família e também ia ter que ficar em home office.”
Os dois concordaram em procurar uma casa para ter um pouco de ar livre sem precisar sair. Encontraram uma no mesmo bairro em que ela já morava, a Saúde, na zona sul de São Paulo, e o aluguel não pesou.
Feliz com a mudança, Tainá pretende continuar na casa até o final do contrato e depois mudar para uma com quintal maior. “A gente consegue trabalhar muito bem em casa, e a própria empresa está revendo certos conceitos”, explica. “Estamos aprendendo muita coisa com essa quarentena.”
Casas em outras plataformas. O aumento na busca por casas é geral. No portal da Lello Imóveis, a alta foi de 41,6% e as casas representaram 31% do total de vendas em abril, mais do que o dobro em relação a janeiro.
Segundo o diretor de vendas da imobiliária, Igor Freire, a necessidade de ambientes maiores e espaços para outras atividades influencia a escolha. “Boa parte tem tendência a pegar casas em condomínio pela segurança, mas normalmente é mais caro, então se opta pelas casas em ruas”, afirma.
O movimento se confirma na Lopes, que registrou aumento de 40% na procura por casas de março a junho de 2020, se comparado ao mesmo período do ano passado. A participação dos imóveis com mais de 90 metros quadrados no total de transações de compra e venda nesses meses subiu de 54% para 71% em comparação a 2019. Na locação, o comportamento foi o mesmo, passando de 40% para 71% do total de contratos.
A venda de casas também representou um aumento de 25% nos negócios para a plataforma digital Kzas. A procura por imóveis com mais de 90 metros quadrados dobrou de fevereiro para março, voltou a crescer em abril e está fazendo de junho o melhor mês do ano para a empresa, com duas vezes mais vendas do que em maio. No caso de imóveis com mais de 120 metros quadrados, a procura saltou de 15% em março para 30% agora.
Os apartamentos espaçosos em condomínios com boa infraestrutura de lazer também entraram na mira do público. Segundo Alex Frachetta, CEO do Apto, o terraço gourmet está em 25% das buscas e a procura por área de lazer ampla aumentou 5% nos últimos dois meses. O perfil de público permanece o mesmo, com uma maioria de recém-casados que pensam em ter filhos ou famílias com crianças.
“Talvez o que mudou foi a necessidade”, explica Frachetta. “Essas famílias querem ter mais distração sem sair do prédio.” Ele acredita que a demanda se torne uma tendência também no pós-pandemia, movimentando inclusive o mercado imobiliário do interior do Estado.
Roberto Nascimento, CEO da Kzas, concorda. “Há um novo comportamento do consumidor em não ter mais como prioridade ficar próximo do trabalho e dos estudos”, declara ele.
Para o executivo, isso significa buscar por bairros não tão centrais, ainda que próximos de vias com bom acesso a transportes públicos, ou moradias no interior, “longe dos engarrafamentos, da poluição e das grandes aglomerações de pessoas”.