Quanto custa financiar a casa própria? As taxas nem sempre são o que parecem
24/01/2020 - Quanto custa financiar a casa própria? As taxas nem sempre são o que parecem
Os bancos vêm anunciando taxas de juros cada vez mais baixas no crédito imobiliário para, segundo eles, acompanhar a tendência de queda da taxa básica de juros (Selic). Mas mesmo com um financiamento um pouco mais barato, na prática, o preço que se paga pelo empréstimo está longe de ser tão baixo quanto sugerem as propagandas dos bancos.
De acordo com a média de juros de novembro de 2019 divulgada pelo Banco Central, as taxas praticadas pelas instituições são bem maiores que o mínimo anunciado. A variação ocorre porque, de acordo com os próprios bancos, nem todos os clientes preenchem todos os requisitos para conseguir as melhores taxas. Além disso, existem os outros custos que pesam no financiamento. Na prática, o desembolso extra pela diferença entre a taxa anunciada e o que vai se pagar na realidade pode chegar a R$ 97 mil, em um financiamento de R$ 400 mil por 30 anos.
Pela simulação feita pelo comparador de juros Melhortaxa a pedido do Valor Investe, é fácil de ver essa diferença entre os juros anunciados e os praticados. Por exemplo, a Caixa, que anuncia taxas a partir de 6,75% ao ano mais Taxa Referencial (hoje em zero), cobra, na verdade, 7,50% ao ano somente de taxa, sem contar os demais encargos da operação. A simulação considerou o financiamento de 80% do valor de um imóvel de R$ 500 mil em 360 meses.
Esses valores não consideram taxas do Minha Casa Minha Vida. São apenas para contratos que se enquadram no Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que usa recursos de poupança e do FGTS na compra de imóveis residenciais de até R$ 1,5 milhão.
Em outra simulação, feita pelo comparador de taxas e fornecedor de crédito Credihome, as taxas da Caixa para financiar 70% do valor de um imóvel de R$ 500 mil ficaram em 7,95% ao ano.
Não bastasse essa diferença entre o que sai na propaganda e a taxa que o cliente encontra no banco, é importante ter em mente que o que você realmente paga para financiar a casa própria é o chamado Custo Efetivo Total (CET) da operação. Além da taxa de juros (efetiva), ele inclui seguros obrigatórios (mas de preço diferente), tarifas bancárias e até a avaliação do imóvel, que chegam a custar milhares de reais.
Por isso, não basta olhar o anúncio de redução de taxas de juros e correr para uma agência. É preciso analisar o conjunto de condições total desse empréstimo que costuma ser de longuíssimo prazo. Um passo em falso pode deixar você com uma dor de cabeça que pode durar anos.
Outro ponto importante de atenção é que nem sempre os bancos com as menores taxas mínimas têm o custo total do crédito mais em conta.
Por exemplo, na simulação acima, a taxa mais barata é a do Bradesco de 7,30% ao ano. No entanto, o CET mais baixo acabou sendo o do Itaú, mesmo com uma taxa de juros um pouco maior, 7,45% ao ano. Isso porque os demais componentes do CET não custam a mesma coisa nos diferentes bancos. No Itaú, o peso dos extras do CET foi de 0,57 ponto percentual, enquanto no Bradesco a mordida alcançou 0,77 ponto percentual. O Santander foi o banco em que os “extras do CET” tiveram menor peso, de 0,55 ponto percentual.
Como funciona o CET?
Os bancos têm autonomia para cobrar o quanto quiserem, contanto que o CET (excluindo gasto com seguros e tarifa de administração do contrato) não ultrapasse o teto de 12% ano em contratos do SFH para linhas de crédito corrigidas pela TR, hoje equivalente a zero.
A análise do crédito imobiliário é feita com base em critérios de risco, como histórico de crédito e renda mensal. Mas há ainda algo bem subjetivo, chamado “relação com o cliente”, que pode ser usado para aprovar, negar, aumentar ou diminuir as taxas de juros.
Em geral, o discurso é sempre que as taxas mais baixas são reservadas para clientes que têm uma relação mais próxima com o banco, o que alguns poderiam dizer que se assemelha a uma venda casada. Às vezes essa relação “próxima de banco e cliente” se forma por meio da abertura de uma conta, transferência de salário, pagamento no débito automático do empréstimo. Outras vezes depende de quantos produtos financeiros você compra do banco, o quanto você tem investido em fundos da instituição ou se tem ou não cartão de crédito.
O que precisa ficar claro para os clientes é que, embora a maior parte do CET seja composta da taxa de juros, uma redução nesse percentual não significa necessariamente economia, porque outros encargos que compõem o custo total podem até aumentar ao longo do tempo.
“Veja que os contratos bancários são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. O banco não pode, de má-fé, anunciar uma taxa mínima, a fim de chamar atenção do mutuário, e elevar os demais encargos, com o intuito de chegar no limite da CET. Por mais que não haja regulamentação própria, estaria caracterizado o abuso na relação do consumo”, completa a advogada.
Componentes de valor fixo
Há componentes do CET que são tarifas fixas, como o custo de avaliação do imóvel, que varia de R$ 3,1 mil a R$ 3,5 mil nos principais bancos, mas pode ser mais barata em fintechs. Outras encargos são variáveis, como a própria TR, taxas de administração de contrato e o valor da apólice de seguro.
“Às vezes um financiamento de menor valor pode até ter um CET maior porque cobranças fixas entram nessa conta”, pondera Rafael Sasso, presidente do comparador Melhortaxa. Segundo ele, você vai pagar o mesmo para avaliar o imóvel, não importa se é um empréstimo de R$ 10 mil ou de R$ 400 mil e essa tarifa fixa influencia no CET.
A Credihome tem uma das tarifas de avaliação do imóvel mais barata. O presidente da empresa, Bruno Gama, afirma que essa cobrança inclui serviços de análise jurídica e avaliação técnica do imóvel. Segundo ele, muitos bancos contratam empresas de engenharia e repassam o custo para o cliente.
“Não temos margem nessa tarifa de avaliação porque nosso negócio é ganhar com a taxa de juros. Tentamos fazer o menor custo possível. Os bancos têm uma rede de prestadores de serviço”, afirma Gama.
Outro valor que normalmente não varia muito de um credor para o outro (embora não seja tabelada) é a tarifa bancária de R$ 25 ao mês. Ela parece inofensiva e um tanto irrelevante, mas em 30 anos de financiamento, você terá deixado R$ 9 mil no banco que gerencia sua operação de crédito, além de tudo que vai pagar em juros, claro.
Atenção aos seguros!
“Se eu só olhar quem tem o percentual menor do CET vou pagar menos, certo?” Mais ou menos. O CET é um cálculo de momento, que leva em consideração o preço de dois seguros obrigatórios em contratos pelo SFH. Essas apólices costumam ser pagas mensalmente, junto com os juros e amortização. Por lei, os bancos têm de oferecer apólices de pelo menos duas seguradoras diferentes. Normalmente, uma delas é vinculada ao banco que oferece o financiamento.
Um dos seguros obrigatórios é o de Morte e Invalidez Permanente (MIP), que varia de acordo com a idade e até as condições de saúde do mutuário, como é chamado o tomador de crédito no linguajar do financiamento imobiliário. Ele existe para que o saldo devedor seja quitado em caso de morte ou invalidez permanente do tomador de crédito ou um dos integrantes da renda familiar do contrato.
Fonte: O Globo